Folia na Amazônia: tradição de mais de 150 anos, ‘Carnaval das Águas’ reúne brincantes fantasiados em barcos pelos rios do nordeste do Pará

No coração da Amazônia paraense, a passarela do samba navega pelos imensos rios de água doce. Em cima de embarcações, brincantes multicoloridos fazem fanfarras em uma folia que se espraia por diversas comunidades da região de Cametá, no nordeste do Pará. Conhecido como “Carnaval das Águas”, o espetáculo mistura cordões de mascarados, blocos e grupos folclóricos que percorrem o rio Tocantins no mês de fevereiro.

O traslado tem mais de 150 anos e revela a singularidade da folia criada pelos povos da floresta: se na vastidão amazônica, o rio é a rua, o barco faz às vezes de carro alegórico. E para embalar a festa, ritmos típicos da região, como o samba de cacete e o banguê — sonoridades derivadas da cultura africana e preservadas pelos quilombos do nordeste paraense.

“O ‘Carnaval das Águas’ é uma manifestação centenária que poucas pessoas conhecem. Existem vários grupos e cordões populares que merecem ser descobertos e estudados”, declara o pesquisador Renan Souza D’Oliveira, da Universidade Federal do Pará.

Não há locais fixos para as apresentações, e onde houver um trapiche, os barcos aportam para levar a alegria do Carnaval. Uma das principais características do evento são os grupos que organizam, produzem e criam suas próprias fantasias e canções.

A pesquisadora Viviane Menna Barreto, do estudo “Cartografias Amazônicas”, mapeou mais de 15 grupos de foliões em atividade na tradição. A festa é dividida entre cordões e blocos, sendo os mais tradicionais: os Linguarudos do Santana, o Cordão da Bicharada e o Cordão de Mascarados Última Hora do rio Tentém.

A sátira do ‘Linguarudos’

Fundado em 1894, um dos grupos pioneiros é o dos “Linguarudos”, da ilha de Sant’ana. Atualmente, é composto por cerca de 50 pessoas, a maioria da mesma família, que se reúnem todos os anos para encenar comédias que misturam teatro e carnaval em sátiras que fizeram história graças à forte crítica social que já foi até censurada durante o governo militar.

“Esse cordão, quando foi fundado, o nome dele era ‘Falador’ porque tinha uma senhora que falava muito de nós, e aí depois o nosso compositor veio e mudou para ‘Linguarudo’”, explica Raimundo Zacarias, mais conhecido como Tio Zaca, coordenador do grupo, juntamente com Benedito Medeiros Dias e Benedito Maia Filho.

Mascarados do ‘Última Hora’

O Cordão Última Hora foi fundado em 1934 pelos irmãos Cornélia e Atílio Raniere, descendentes de italianos e moradores da região do Tentém, inspirados nos cordões carnavalescos da época. Nessa época, o cordão era conhecido como “Príncipe Foliões”. Em 1980, o grupo deixou de se apresentar, e retornou às atividades em 1990 quando Alchimedes Vital Batista, o Mestre Vital, convidou Eulálio Tenório dos Santos para retomar a tradição. Atualmente, o grupo reúne 60 brincantes.

“As máscaras fazem parte de uma tradição não só do ‘Carnaval das Águas’, mas também da comunidade. Elas são o item de figurino indispensável no carnaval do ‘Última Hora’, usado apenas pelos brincantes do sexo masculino. No início, eram feitas com barro, atualmente, são confeccionadas máscaras com garrafas de plástico e adaptações de algumas peças compradas no comércio local”, diz o pesquisador Renan Souza.

Folia ambientalista da ‘Bicharada’

A “Bicharada” é um cordão carnavalesco fundado em 1978 pelo Mestre Zenóbio, na localidade de Juaba, onde pessoas fantasiadas de animais desfilam ao som de marchinhas carnavalescas. Se apresenta acompanhado por banda de metais e tambores e encena comédias de conteúdo ambientalista.

Mestre Zenóbio criou o cordão na vila de Juaba para sensibilizar a população ribeirinha da importância de se preservar a fauna amazônica. A bicharada já se apresentou no Programa do Faustão e na Central do Brasil, da Rede Globo.

Fonte: G1 Pará

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